Os consultores séniores e especialistas*

Acontece bastante, pelo menos algumas vezes por mês, que vêm consultores para nós visitarem no nosso escritório em Lichinga. Além de que “consultor” me parece uma profissão um pouco estranha, é também interessante ver como eles se descrevem nos cartões de visita. Nem sempre, mas quase, o cartão contém a palavra “especialista” ou “sénior”. São “Consultores séniores de desenvolvimento organizacional” ou “Especialistas em desenvolvimento organizacional”. O que é estranho, não é o facto que eventualmente são (embora nem sempre) se calhar ambos séniores e especialistas, mas a necessidade de escrever isto no seu cartão de visita.

Estes consultores, quase sempre ligados a algum programa de cooperação internacional, dizem quase sempre (se não sempre) que procuraram por nós para ouvir como nós trabalhamos e para saber mais sobre o nosso programa. Muitas das vezes (quase sempre) os consultores estão a fazer uma avaliação, elaborar uma estratégia ou algo parecido. Embora este interesse (falado) de entender mais e ouvir de nós, é bastante comum que os consultores falam muito, e ouvem muito pouco.

Os consultores falam do seu estudo, do seu trabalho, sobre a visão deles do desenvolvimento do Niassa, o que acham de Moçambique e depois não é raro (mais felizmente não é sempre) que começam a falar sobre as coisas que nós estamos a fazer, embora não sabem nada disso e dizem que estão connosco para saber isto (não sei como está este cíclo de sabedorias). Portanto, estão a nos dizer o que nós fazemos, com quem fazemos e porque fazemos (a nossa sorte – caso não saibamos!).

E depois de falarem tudo isto, vem muitas das vezes (quase sempre), umas perguntas rápidas para nós, cujas respostas ficam assim um pouco penduradas no ar e sem tempo porque naquela áltura, o consultor já gastou todo tempo que ele alocou a nós e ele tem que correr para o próximo encontro (sublinhando que ele tem um programa nestes dias MUITO apertado). A chamada “conversa” termina quase sempre com o consultor a dizer que “Foi MUITO INTRESSANTE conversar connvosco e aprender mais sobre os vossos programas!”. Só que não ouviu nada e definitivamente não tomou lugar nenhuma conversa. Mas intressante foi (para ele).

Consultores quase sempre são loucos por ter todos os documentos – pois ficamos nós (mutas vezes) a procurar documentos internos e externos para entregarmos aos consultores. Dois aspectos sobre os documentos: Mesmo nós termos enviado os nossos relatórios, documentos de programa etc. antes da chamada conversa, quase nunca (se não nunca mesmo) ouvi nenhum consultor a dizer: “Como li no vosso documento…” – mas sempre (quase) dizem “Podem me falar em linhas gerais sobre o vosso programa…”. Pois, querem os documentos para colocarem na lista longa de referências (que não leram – porque pediram as outras pessoas para “falarem em linhas gerais”) no fim do seu documento e serem pagos para terem procurado (mas não procuraram – isto nós fizemos para eles) e lido tantos documentos. Outro aspecto com os documentos é que esperam quase sempre (se não sempre) que nós entreguemos (incluindo procuremos) todos os documentos, mas quando nos perguntamos se podem partilhar o produto do seu trabalho (que muitas das vezes é um documento), quase sempre a resposta é estilo “INFELIZMENTE provavelmente não será possível como isto é um documento interno e eu não tenho poder de divulgar” e para aí adiante.

Outro fenómeno de consultores que parace aparecer especialmente com consultores que passam muito pouco tempo na área geográfica em foco do estudo, por exemplo Niassa no nosso caso, é que quase sempre vem com A solução DO problema (pois há UMA solução e UM problema, segundo estes especialistas séniores). Durante o tempo que gastam de falar de si, do seu trabalho, das suas visões sobre Niassa e Moçambique (que, segundo o que foi escrito acima, leva bastante tempo, sobre algo que sabem muito pouco), apresenta-se muitas vezes (mas nem sempre) A solução de toda A problemática de desenvolvimento que a população do Niassa está a enfrentar. Ora vejamos: A solução DO problema dos camponeses é esta – e assim vem quase sempre (mas não sempre) uma proposta muito específica, muitas das vezes (mas não todas) algo de natureza técnica que, segundo o consultor, resolveria toda a pobreza multidimensional dos camponeses no meio rural de Moçambique.

Os consultores séniores contam a nós coisas sobre o mundo onde nós vivemos (embora estejam cá para aprender de nós),  sobre propostas de modelos de desenvolvimento e sugestões que muito pouco (ou quase nada) são adaptadas à realidade daqui (mas como estes séniores têm tempo limitado para ouvir, com os seus programas muito preenchidos, o aspecto que estão a propôr soluções inúteis, nunca ficam a saber).

Como é normal para os consultores levar a cabo algo que mais parece um monólogo (que eles descrevem como uma conversa), não há muito espaço para nós dizermos que sim, compostagem (como um exemplo das propostas de solução que foram nos trazidas por consultores) provavelmente é UMA parte da solução de UMA parte dos desafios bastante abrangentes enfrentados pelos camponeses Niassenses, mas ao mesmo tempo deveriamos ter em mente outros factores de natureza social, económico, cultural, climatérica ou outra. E embora quase sempre o consultor tenha A resposta daquilo que já antes tinha definido como O problema, acha, como foi dito, que foi MUITO INTRESSANTE conversar connosco e aprender mais.

Mas quase nada conversamos, nada aprenderam e também não foi muito interessante.

*Este texto foi publicado em sueco, aqui no blog, há algumas semanas.

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